Como é sabido, lá em casa saiu-nos a sorte grande, ou seja, temos a possibilidade de criar a nossa filha no seu lar, numa partilha de horários e tarefas entre pai e mãe. Isto deve ser o sonho de qualquer pai mas com esse sonho vem talvez o excesso de proteção ou a dificuldade de nos distanciarmos mais de 100 metros do nosso rebento.
Não houve com o final da licença a mudança de situação, nem para ela, nem para nós. Não ouve o "corte" ao deixá-la numa creche, ama ou familiar. Não houve a confiança que tem de exisitr ao entregar nos braços de outrem o nosso maior tesouro.
Assim sendo, desde que veio ao mundo, a Alice (conhecendo já outros colos) apenas conhece os cuidados e atenção prolongada do seu pai e da sua mãe. Já com 6 meses nunca ficou 5 minutos que fosse com outro alguém, nem com os nossos pais, supostamente as pessoas em quem mais confiamos.
Eu tenho consciência (falo por mim, não sei o pai) que temos que começar a desamarrar alguns nós de ligação. Temos que deixá-la usufruir dos cuidados de quem a ama como nós. Mas não é fácil... não é fácil para quem se habituou à sua presença e companhia... não é fácil a quem, naturalmente, a vê como extensão de nós próprios, ligados por um fio invisível que não tem mais de 100 metros de extensão. A culpa não é nossa, é do fio que não nos permite...
Facilmente nos habituámos a juntá-la à nossa rotina (alterada pela dela) levando-a connosco para o mercado, o hipermercado, a rua, o café, o shopping, a ginástica, a esteticista, a casa de amigos. Está connosco e nós com ela 24 sobre 24h. Facilmente nos habituámos que a nossa vida social fora de casa não pode ultrapassar as 21h, altura em que a sua necessidade de dormir na sua cama é maior que tudo à sua volta.
Pode parecer demasiado ou nada demasiado, afinal é a nossa filha, é connosco que deve estar. Contudo, se outros casais não têm por perto nenhum familiar a quem possam deixar a guarda do seu rebento enquanto vão a um compromisso qualquer, nós temos. Temos pessoas de sangue, de confiança, de coração mas nunca o fizemos.
Aos poucos sinto a necessidade de o fazer, ainda que fosse por 1 ou 2 horas. Aos poucos acho que é importante que ela se sinta segura com outras pessoas que não os pais. Aos poucos sinto o quanto me faria bem jantar com o pai num ambiente livre de chuchas e onde as minhas mamas passassem a ser objecto de outros desejos que não incluissem encher a barriga.
Não é fácil gerir uma série de sentimentos, preocupações e ansiedades. Muito menos fácil é gerir as diferentes necessidades enquanto casal, enquanto indivíduos e enquanto pais.
Há momentos em que me sinto incapaz em todos os papéis que me competem, há momentos em que me sinto apenas mãe, outros em que tenha que colocar a profissão mais alto, outros em que apenas quero voltar a sentir-me mulher amada e desejada.
O tempo deve ajudar, como deve ajudar sentirmos que os nossos filhos vão ficando cada vez mais autónomos e mais libertos de nós nas suas mais ínfimas necessidades. Ajuda também capacitarmo-nos que não somos os únicos no mundo que sabemos fazê-los calar (quando chorar), alimentar (quando têm fome) ou dar-lhes amor (quando sentem medo).
Não posso dizer que será hoje ou já amanhã que estaremos preparados para a "deixar" em outro colo. Sei que o nosso tempo (de pai e de mãe) não chegará na mesma altura. Sinto que passados 6 meses consigo preparar-me para desamarrar o fio invisível, ainda que apenas por um par de horas. Sinto que é importante fazê-lo por ela, por mim e por nós.
O que para uns é tão fácil, para outros pode ser uma montanha. Um dia, quando menos esperar, terei escalado essa montanha e sentir-me-ei feliz e em paz na mesma...
P.S. Lembrei-me que até já assistiu a reuniões e hoje vai a outra com o contabilista de uma associação que presido.