Não sinto que ela esteja a ser privada de nada mas sinto que não é afundada em brinquedos inovadores, cheios de cores e músicas, levando-nos, algumas vezes, ao estado de dormência cerebral. Já temos lá uns quantos, cada um com o seu som (sempre irritante ao fim de 10 minutos) que fez as delícias do meu sobrinho (já com 5 anos) e do meu afilhado (já com quase 8 anos) e que agora fica nas mãos da Alice 5 minutos para rapidamente se virar para uma tampa de marmita ou garrafa de água.
Não é fácil não nos sentirmos atraídos pelas parteleiras de brinquedos que nos prometem fantasias. Pelo menos eu, salto logo no tempo e vejo-me na minha infância, onde os chorões eram a última novidade e os serviços de chá e jantar de miniatura faziam os meus olhos brilhar. Quando olho para a oferta de hoje em dia, apetece-me esvaziar metade das prateleiras e brincar com a minha filha horas a fio. Mas não... controlo-me por razões financeiras e por motivos de sanidade mental que me fazem pensar duas vezes antes de começar a ensiná-la a viver numa abundância que não é real e que não a irá preparar para um futuro difícil.
Já a minha pediatra nos diz que os pais revelam sempre uma grande preocupação: "Ah, qual o melhor brinquedo para a(o) filha(o)?" Ela diz que só tem uma resposta: "Os pais. Os pais são os melhores brinquedos dos seus filhos."
Pois eu penso igual e penso que uma marmita ou uma garrafa de água consegue ser mais aliciante e contar uma história mais rica que um brinquedo da Chicco de 60€.
Esta conversa toda para partilhar aqui que ontem comprei um brinquedo para a Alice e que a culpa foi da Nina (a amiga dela) que se atrasou 10 minutos fazendo-nos entrar numa loja em promoção.
Comprei um conjunto de copos enormes de empilhar por 6,25€.
Lembrei-me de um programa visto na Odisseia (ainda estava grávida) onde analisaram vários brinquedos para saber quais os melhores para crianças até 3/4 anos. Desde brinquedos cheios de funcionalidades, cores e luzes até os simples copos de empilhar.
Veio-se a constatar que os brinquedos mais caros e com mais funcionalidades tornavam-se confusos e não estimulavam a criança. O vencedor, sem sombra de dúvida, foram os simples copos de empilhar, tão simples que tendem a passar-nos despercebidos numa montra de brinquedos.
Ontem já tivemos a brincar. Eu empilhava, ela derrubava e enfiada os copos na boca para o controlo de qualidade.
Um dia destes tiro uma fotografia...
P.S. Conheço casos em que a abundância de brinquedos numa casa davam para equipar uma creche cheia de crianças. A educação é da responsabilidade dos pais e quem sou eu para julgar as opções dos outros ou tomar a minha como a acertada mas penso no impacto que uma infância caracterizada pela abundância e a realização de todos e qualquer desejo de uma criança pode ter no seu futuro como adulto. A vida que os pais lhe dão pode estar muito longe da vida que ele conseguirá ter para si no futuro. Estará ele preparado para lidar com privações ou frustrações na vida ou será mais um adulto que conhecerá a chamada doença do século - depressão? Estaremos a preparar as nossas crianças a lidar com as dificuldades do dia-a-dia ou fantasiamos uma vida que amanhã poderá não ser a nossa ou que nunca poderá ser a deles quando estiverem por sua conta.
Sou o reflexo da minha infância e adolescência onde aprendi a partilhar o pouco que tinha, onde aprendi que tudo tinha um custo, onde me foi mostrado que só com muito trabalho se conquistava alguns desejos e que nem tudo está no nosso alcance imediato.
Hoje em dia, sou tudo menos deprimente e frustrada. Os cortes não me assustam, ter filhos nesta conjuntura não me assusta, ter privações não me deixa de cama, ter saúde é sempre o meu maior motivo de alegria.
Esta é a maior herança que os meus pais me passaram (principalmente a minha mãe, tenho que o dizer) e é a maior herança que pretendo passar à minha filha.
Ela pode na vida nunca chegar a ter um cavalo (é preciso ter-se lido um post mais abaixo para se compreender) mas saberá sempre que poder andar a pé não é um castigo é uma dádiva.
7 comentários:
A minha tem pouquissimo brinquedos mas tem o suficiente! Nesta altura ela dá mais importância aos nossos chinelos e a uma simples garrafa de plástico.
Nada mais ecónomico. Tem o uso de chinelo e uso de brinquedo ;)
Concordo com tudo o que disseste! Eu apenas comprei 1 único brinquedo á minha filha com 18 meses... o resto são dados ou "herdados", não acho que seja uma criança menos feliz por não ter o quarto cheio até cima.... uma coisa ela tem, o nosso amor e isso não tem preço. bjs*
Gosto muito! É assim que também penso! E fui uma menina cheia de brinquedos! A minha filha tem os suficientes e são quase todos herança do meu afilhado que hoje tem 18 anos e os restantes ofertas das tias malucas:)!!!! Faço sempre questão de tudo o que ela tem caiba numa caixa de brinquedos! E fazemos oferta dos que vão ficando pouco adequados à idade! Uma coisa que por aqui também herdamos, mas que compramos muito são LIVROS! Ela adora! E quanto ao cavalo? Bem, nem comento:)! Bjins
Sani e Maggie
O Diogo também não tem muitos brinquedos e todos os que tem foram oferecidos/comprados ainda ele não tinha nascido. Cabem todos numa pequena caixa e até agora ele só se apaixonou por um coelho que dá música que penduramos no seu ovinho... também ainda só tem 2 mesitos.
Mesmo restringindo é fácil eles ficarem cheios de brinquedos pois a família e amigos não resistem. Se não formos nós a colocar travão é tão fácil o descontrole, principalmente quando eles começarem a rebolar no chão do hiper :))
Parabéns CS!Um texto muito bem escrito!
Não conseguiria escrever melhor, nem acrescentar mais nada!
Pais deste país, os vossos filhos querem brincar convosco, a vossa atenção, querem brincar ao ar livre, com a terra, os paus, os bichos da conta...poupem na carteira, na compra de brinquedos e mais brinquedos e poupem, acima de tudo, na futura sanidade mental dos vossos filhos!
Sónia Barreto
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